Do Desperdício ao Valor: Como o Deadstock Está Impulsionando a Moda Circular

Publicado em 16 de julho de 2025 às 11:12

14 de julho de 2025
Por Puja Mj

Todos os anos, bilhões de metros de tecido são produzidos... e esquecidos. Sobras de grandes marcas, excedentes de fábricas de roupas, pedidos cancelados, tendências ultrapassadas — esses são os “órfãos” da moda. Tecidos que nunca chegam à passarela, à loja ou ao seu guarda-roupa. No jargão da indústria, são chamados de deadstock. Mas, nas mãos de designers visionários e marcas comprometidas, o deadstock está ganhando uma nova vida.

Estamos diante de um movimento crescente, onde o desperdício não representa o fim da linha, mas o começo de algo melhor.

O Que É Deadstock, De Fato?

Imagine prateleiras repletas de tecidos lindos acumulando poeira. Esses são os tecidos deadstock: rolos que sobraram de fábricas, estoques não vendidos de estilistas ou materiais que seriam usados em pedidos cancelados. Antes destinados ao lixo ou à incineração, hoje eles se transformam na matéria-prima de uma moda mais circular e consciente.

Seja por excesso de produção, pequenos defeitos ou mudanças rápidas de tendência, o deadstock é fruto dos excessos da moda — e está sendo recuperado como um recurso valioso.

Designers Que Transformam Descarte em Desejo

Hoje, algumas das criações mais empolgantes da moda não nascem de um croqui, mas sim de pilhas de tecido descartado.

A francesa Marine Serre, conhecida pelas estampas de lua crescente, redefine o luxo usando deadstock e materiais reaproveitados. Metade de suas coleções é feita com tecidos resgatados — de toalhas vintage a cortinas antigas — transformados em peças de alta-costura.

Na Califórnia, a marca Christy Dawn garimpa excedentes em fábricas têxteis para criar vestidos com estética vintage. Cada peça é numerada e costurada por artesãos locais em Los Angeles. “Usamos tecido deadstock para minimizar nosso impacto ambiental”, explica a fundadora. “Em vez de milhares de unidades, produzimos peças limitadas, feitas para durar.”

No Reino Unido, Phoebe English já criou coleções inteiras sem utilizar nenhum tecido novo. Sua proposta é clara: criar com o que já existe, como um protesto silencioso contra o consumo excessivo da indústria.

Em Amsterdã, o estilista Ronald van der Kemp, da marca RVDK, mostra que glamour e sustentabilidade podem andar juntos. Desde 2014, ele transforma materiais descartados e tecidos de alta-costura antigos em criações ousadas e artísticas, que fogem das tendências passageiras. Cada peça é única, carregada de personalidade e intenção.

Quando as Marcas Constroem Coleções Inteiras com Sobras

Deadstock não é mais segredo de estilista alternativo. Marcas sustentáveis de diferentes tamanhos estão adotando o conceito em larga escala.

A Reformation, por exemplo, mistura tecidos deadstock com coleções alinhadas às tendências, provando que é possível unir estilo e consciência ambiental. Em Hong Kong, a The R Collective trabalha com grifes de luxo para transformar excedentes em peças sofisticadas e prontas para o uso.

Na Índia, a marca Doodlage combina sobras de fábrica e deadstock para criar roupas urbanas com apelo internacional. Já a House of Marici transforma excedentes têxteis e couro vegano em acessórios de luxo, mesclando o artesanato indiano ao design britânico. Na Austrália, a All The Wild Roses utiliza deadstock em até 90% das suas coleções — mostrando que sustentabilidade e escala podem, sim, coexistir.

“A moda tem um papel fundamental para resolver os problemas que ela mesma causou. Afinal, a moda é uma forma de arte, de expressão. Mas até que ponto estamos dispostos a pagar por isso?”
Christina Dean, fundadora da The R Collective

Plataformas Que Facilitam o Acesso ao Deadstock

Antes, encontrar deadstock era um verdadeiro desafio. Hoje, novas plataformas facilitam esse acesso para designers e marcas.

A Nona Source, lançada pelo grupo LVMH, oferece tecidos deadstock de luxo a preços acessíveis para novos criadores. A Aloqia (antiga Queen of Raw) utiliza inteligência artificial para ajudar marcas a gerenciar e revender excedentes têxteis.

Nos EUA, a organização sem fins lucrativos FABSCRAP coleta resíduos têxteis de mais de 800 marcas e os redistribui a estudantes, artistas e designers, promovendo a transparência e o reuso criativo.

Na Suécia, o projeto Re:Textile, da Universidade de Borås, desenvolve sistemas circulares de design e incorpora deadstock em modelos inovadores de desenvolvimento de produtos.

“Fiquei chocado com a quantidade de tecidos em perfeito estado que estavam apenas parados, esquecidos. Foi aí que percebi que precisava criar algo para dar a eles uma segunda chance.”
Dirk Smet, fundador da Wasted Fabrics

A Nova Geração Já Está Fazendo Diferença

Faculdades de moda e competições também estão incentivando o uso criativo de resíduos têxteis.

O Redress Design Award, o maior concurso de moda sustentável da Ásia, desafia jovens designers a upcyclarem tecidos descartados. Na Índia, o Circular Design Challenge, promovido pela R|Elan e pelo PNUMA, estimula talentos emergentes a usarem deadstock em suas criações.

“Fico sempre encantada com o trabalho de jovens estilistas que criam coleções incríveis a partir de roupas usadas ou tecidos de brechó. Como Helen Kirkum, do Reino Unido, que transforma tênis velhos em modelos únicos e artísticos.”
Clare Press, podcaster de Wardrobe Crisis

Por Que o Deadstock É Tão Importante para a Moda Sustentável

Reaproveitar deadstock não é só uma tendência bonita — é uma necessidade urgente. Veja por quê:

  • Preserva recursos: aproveita a água, energia e emissões já envolvidas na produção original.

  • Reduz resíduos: evita o descarte de tecidos perfeitamente utilizáveis.

  • Estimula a criatividade: trabalhar com limitações leva a soluções inovadoras.

  • Fortalece pequenas marcas: oferece materiais de qualidade em quantidades viáveis.

“Trabalhar com deadstock nos permite enfrentar o excesso da própria indústria da moda. E o mais especial é a exclusividade — como os tecidos são limitados, cada peça é única, feita com intenção e impossível de replicar.”
Rashmick Bose, cofundador da marca Lafaani, da Índia

Mas Nem Tudo São Flores

Claro, há desafios:

  • Quantidades limitadas: dificulta a replicação de coleções.

  • Greenwashing: algumas marcas superproduzem de propósito e depois rotulam como "deadstock".

  • Qualidade e armazenamento: tecidos mal armazenados podem se deteriorar.

A boa notícia? Soluções digitais, rastreamento eficiente e práticas mais conscientes estão ajudando a superar esses obstáculos.

Um Fio Final

Deadstock não é mais apenas sobra de tecido — é moda com uma segunda chance. Ao escolher peças feitas com materiais reaproveitados, você ajuda a recuperar resíduos, redefinir valores e transformar o futuro da moda.

“Existem formas menos visuais, mas igualmente eficazes, de transformar o lixo têxtil em tesouro. Plataformas como a Circular Sourcing, na Austrália, estão facilitando esse acesso. Enquanto isso, grandes marcas continuam encomendando 20 a 40% a mais de tecido do que o necessário. E pequenas marcas, por exigência mínima de compra, também acabam com excedente. O resultado? Pilhas e mais pilhas de deadstock implorando para serem usadas.”
Clare Press

Conhece uma marca que transforma deadstock em algo incrível? Marque nos comentários! Ou poste sua peça reaproveitada favorita e marque @slowfashion.movement no Instagram. Vamos celebrar a criatividade que transforma o desperdício em maravilha.

📚 Fontes consultadas:

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