
Por Simone Sampaio, Country Manager Brazil do Slow Fashion Movement e integrante do Instituto Mestre GP
Em 2025, um projeto latino-americano ousou transformar um dos maiores passivos ambientais da moda em um exemplo global de criatividade com propósito. O Re-commerce Atacama, desenvolvido pela agência Artplan, em parceria com a VTEX, o Fashion Revolution Brasil e a iniciativa chilena Desierto Vestido, foi premiado com o Leão de Bronze no Cannes Lions, o maior festival de criatividade do mundo.
Esse prêmio representa mais do que um troféu. Ele simboliza um avanço importante na forma como marcas, agências e consumidores podem e devem repensar seus papéis diante da emergência climática.
Cannes Lions: a consagração da criatividade com impacto
O Cannes Lions International Festival of Creativity acontece todos os anos na França e é o prêmio mais prestigiado da publicidade mundial. O festival reconhece campanhas que vão além do convencional e provocam conversas que importam.
O Re-commerce Atacama foi premiado com Bronze na categoria mídia, justamente por conseguir conectar um problema urgente o descarte têxtil no Deserto do Atacama com uma solução prática, digital e profundamente simbólica.
O problema: milhares de toneladas de roupas no deserto
O Deserto do Atacama, no Chile, virou símbolo de um colapso silencioso dentro da moda. São milhares de roupas descartadas todos os anos, muitas ainda novas ou sem uso, resultado de uma cadeia de consumo global acelerada e desigual.
Estima-se que mais de 39 mil toneladas de roupas sejam descartadas anualmente nesse local, muitas vezes vindas de países desenvolvidos que usam portos da América do Sul como destino final de excedentes. O impacto ambiental é gigantesco: o solo é contaminado, a fauna e a flora são afetadas, e a indústria da moda expõe, mais uma vez, sua face invisível.
A ideia: transformar o descarte em uma experiência de re-commerce
Foi nesse contexto que surgiu o Re-commerce Atacama. A proposta é simples e poderosa: resgatar peças descartadas, higienizá-las, fotografá-las com curadoria estética e disponibilizá-las gratuitamente em uma plataforma de re-commerce criada pela VTEX. O consumidor só paga o frete e, ao receber a peça, se depara com uma nova forma de consumir, mais consciente e conectada com histórias reais.
A primeira cápsula lançada esgotou em menos de cinco horas. As roupas chegaram a mais de dez países, como Brasil, Argentina, México, Estados Unidos e alguns da Europa. Mais de duas toneladas de roupas foram retiradas do deserto. E com isso, uma nova conversa começou: como a moda pode ser parte da solução, e não apenas do problema?
Os nomes por trás do projeto
Esse projeto só foi possível graças a uma rede de profissionais e organizações que acreditam em um futuro mais justo e criativo.
Rodrigo Almeida, Chief Creative Officer da Artplan, liderou a criação da campanha.
Mariano Gomide de Faria, cofundador e CEO da VTEX, garantiu a tecnologia e a experiência digital que tornaram o re-commerce possível em escala global.
Fernanda Simon, diretora executiva do Fashion Revolution Brasil, trouxe a visão crítica e ativista necessária para o projeto ganhar força e relevância.
A equipe do Desierto Vestido, no Chile, liderada por ativistas locais, ficou responsável por todo o processo de resgate, triagem e logística das peças no deserto.
Além deles, influenciadores de moda sustentável, voluntários e comunicadores ajudaram a dar voz e visibilidade à causa.
Moda, publicidade e o poder da narrativa
Um dos grandes diferenciais do Re-commerce Atacama está na sua narrativa integrada. Cada peça enviada ao consumidor vinha com uma etiqueta e um QR Code que levava a uma história real: onde aquela roupa foi encontrada, por que foi descartada e o que ela representa ao ganhar uma nova vida.
Isso muda tudo. A publicidade, que por tanto tempo incentivou o consumo pelo consumo, aqui se transforma em ferramenta de reconstrução simbólica. A campanha não empurra produtos, ela convida à reflexão. E à ação.
Por que esse prêmio importa?
Ganhar um Leão em Cannes nunca é apenas sobre visibilidade. É sobre reconhecer que o mercado criativo está pronto para trabalhar com profundidade, com ética e com impacto real. O Re-commerce Atacama mostra que é totalmente possível unir estética, inovação tecnológica e propósito e ser premiado por isso.
Para quem trabalha com comunicação, moda ou gestão de projetos, esse reconhecimento é também um sinal claro: ideias relevantes podem e devem ocupar os palcos mais importantes do mundo.
Reflexão final
Como representante do Slow Fashion Movement no Brasil e integrante do Instituto Mestre GP, que atua na formação de gestores de projetos no mercado publicitário, vejo esse projeto como um divisor de águas. Ele mostra o poder da colaboração, da criatividade e da responsabilidade reunidos numa mesma ação.
Que mais iniciativas como essa encontrem espaço, incentivo e voz. E que a gente nunca esqueça: nenhuma roupa é só uma roupa. Ela carrega histórias, impactos e possibilidades.
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