Por Trás do Glamour: A Crueldade que Sustenta o Luxo na Moda

Publicado em 18 de junho de 2025 às 18:05

Quando a gente ouve a palavra “luxo”, logo vem à mente imagens de passarelas, vitrines brilhantes, peças exclusivas e etiquetas com preços altíssimos. Mas o que quase nunca aparece nas campanhas publicitárias é o custo real que muitas dessas peças carregam. E não estamos falando de dinheiro. Estamos falando de vidas.

Crocodilos, cobras, raposas, bois, visons, patos e gansos são apenas alguns dos animais explorados e mortos para atender à demanda de uma indústria que ainda insiste em chamar de “elegância” aquilo que nasce da dor.

A pesquisadora canadense Kate Sorenson usou a expressão “teatro da crueldade” para descrever essa realidade. Um espetáculo onde o sofrimento é mascarado, escondido sob tecidos brilhantes e peles perfeitamente tratadas. Onde a morte se transforma em moda.

Animais viram matéria-prima

Para fazer uma única bolsa de couro de crocodilo, por exemplo, são mortos até quatro animais. Eles são criados em cativeiro, em tanques de concreto apertados, e mortos por perfuração do cérebro ou eletrocussão, muitas vezes ainda conscientes. Esse tipo de prática ainda é comum em países como Vietnã, Tailândia e Indonésia, grandes exportadores de couro exótico.

Cobras, como as pítons, também são abatidas de forma cruel. Há casos documentados de serpentes sendo esfoladas vivas para preservar a textura da pele. Lagartos, lagartixas e jacarés enfrentam destinos parecidos, sempre em nome de bolsas e sapatos vendidos como símbolo de status.

As fazendas de pele e o sofrimento silencioso

Nas fazendas de pele, ainda ativas em países como Finlândia, Polônia, Rússia e China, vivem animais como visons, raposas e guaxinins. Eles passam a vida inteira presos em gaiolas minúsculas de arame, sem qualquer estímulo natural. Muitos desenvolvem feridas abertas, mutilam-se por estresse e apresentam comportamentos repetitivos, típicos de sofrimento psicológico extremo.

Quando chega a hora do abate, os métodos mais usados são eletrocussão anal e genital, tudo para preservar a pele intacta. É um processo rápido, mas longe de ser indolor.

Segundo a Fur Free Alliance, mais de 100 milhões de animais são mortos por ano apenas para a indústria da pele. Um número que assusta, ainda mais em tempos em que já existem alternativas sintéticas e vegetais com excelente qualidade.

Penas arrancadas com o animal vivo

Outra cena invisível para o consumidor final está no uso de penas e plumas em casacos, jaquetas e travesseiros. Patos e gansos são frequentemente depenados vivos, um processo brutal em que as penas são arrancadas manualmente com o animal consciente. Eles gritam, se debatem, sangram. Tudo isso se repete a cada nova colheita de penas, que pode acontecer várias vezes no ano.

Investigações feitas pela PETA na China e na Hungria, dois dos maiores exportadores de penas, mostram gansos sendo depenados com força, deixando a pele em carne viva.

E o couro “comum”? Também é problemático

Muita gente pensa que o couro bovino é apenas um “subproduto” da indústria da carne. Mas na verdade, ele é um mercado multibilionário por si só. A UNIDO, órgão da ONU para desenvolvimento industrial, estima que mais de 1 bilhão de unidades de couro sejam produzidas por ano no mundo.

Na Índia e em Bangladesh, onde há menos fiscalização, bois são transportados por longas distâncias sem água nem alimento, espancados e abatidos de forma extremamente cruel para abastecer o mercado global. E quem trabalha no curtume também paga o preço. O cromo usado para tratar o couro é altamente tóxico e está ligado a doenças de pele e câncer.

Diante disso tudo… ainda chamamos isso de luxo?

A pergunta que fica é: ainda consideramos essas peças elegantes, mesmo sabendo que custaram a vida de um ser vivo? Ou será que já naturalizamos tudo isso por não se tratar de vidas humanas?

Talvez seja hora de reavaliar o que significa “ter estilo”.

O que você pode fazer?

Se tudo isso te causa desconforto, e deveria causar, aqui vão algumas atitudes possíveis.

Prefira materiais alternativos, como o couro vegetal de abacaxi (Piñatex), cogumelo (Mylo), cacto ou maçã.

Valorize marcas que sejam transparentes, cruelty-free e que tenham certificações confiáveis.

Compre de segunda mão, brechós ou faça trocas. Roupas boas não precisam ser novas.

Informe-se. Fale sobre o tema. Conscientização gera mudança.

E principalmente: questione. Nenhum padrão de beleza deveria valer uma vida.

Luxo de verdade é consciência

A verdadeira sofisticação não está no que você veste, mas no que você apoia com as suas escolhas. Se a moda é uma forma de expressão, que ela expresse empatia. Se é arte, que não use o sofrimento como tinta. Se é luxo, que seja ético.

Fontes consultadas:

World Animal Protection – Fashion’s Hidden Cruelty (2022)
Fur Free Alliance – Industry Statistics (2023)
PETA – Skins and Down Investigations
UNIDO – Leather Industry Data (2021)
Higg Materials Sustainability Index – Leather Impact (2023)
Allied Market Research – Luxury Goods Market Report (2024)
“Theater of Cruelty” – artigo de Kate Sorenson no Journal of Animal Ethics (2021)

 


 

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